Num passeio pelo Monte, descobri uma nespereira... (Continuação)


Num passeio pelo Monte, descobri uma nespereira...
Monte do Olival (Palmela) - 30 de abril de 2019


Na cidade da realidade encontrada e amada

Na cidade da realidade encontrada e amada
Caminhei com a brisa pelas ruas
Havia muros brancos e janelas pintadas

As madre-silvas floriam e brilhavam
Os limoeiros de folhas polidas
Caiu uma folha de nespereira sobre o tanque

E o tempo veio ao meu encontro confundindo
Os meus gestos e os teus nos seus
Eram mil e mil noites uma após outra surgindo
E o meu rosto flutuava entre a manhã e a tarde

E as esquinas ergueram as suas sombras azuis
Ao longo de um silêncio de árabe
E do Abril dos campos veio um perfume inteiro de searas
E quando abri as portas as estrelas surgiram

Na cidade da realidade encontrada e amada
O sol dá lentamente a volta às praças e aos quartos
Para varrer o chão e preparar a noite
Que é redonda azul e atenta

E a porta da cidade é feita de dois barcos

Oh quem dirá o verde o azul e o fresco
O hálito da água e o perfume do vento
Vê-se a manhã criar uma por uma cada coisa
Vê-se quebrar a onda da noite transparente.

Sophia de Mello Breyner Andresen | "No mar novo", 1958




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