Mãe!
“Maternidade” José de Almada Negreiros
Museu Calouste
Gulbenkian
Mãe!
Traze
tinta encarnada para escrever estas coisas!
Tinta
cor de sangue, sangue verdadeiro, encarnado!
Mãe!
Passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu
ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Eu
vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.
Quando
voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu
vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu
lado.
Tu
a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei,
tão
parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe!
Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado!
Eu
quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa.
Eu
também quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
Mãe!
Passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando
passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
José de Almada Negreiros, A invenção do dia claro
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