Feira Medieval em Palmela - Acampamento de Cavalaria
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Castelo de Palmela - Liça
25 de Setembro de 2016
História de Dom Quixote
“E
Dona Benta começou:
—
Em certa aldeia da Mancha (que é um pedaço da Espanha), vivia um fidalgo, aí
duns cinquenta anos, dos que têm lança atrás da porta, adarga antiga, isto é,
escudo de couro, e cachorro magro no quintal — cachorro de caça.
—
Para quê a lança e o escudo? — quis saber Emília.
—
Era sinal de que esse fidalgo pertencia a uma velha linhagem de nobres, dos que
antigamente, na Idade Média, usavam armaduras de ferro e se dedicavam à caça
como sendo a mais nobre das ocupações.
—
Vagabundos é que eles eram! — exclamou a boneca.
—
Não atrapalhe, Emília — murmurou Narizinho — Continue, avó.
Dona
Benta continuou:
—
Morava em companhia duma sobrinha de vinte anos e duma ama de quarenta.
Chamava-se Dom Quixote. Era magro, alto, muito madrugador e amigo da caça. E
mais amigo de ler. Só lia, porém, uma qualidade de livros — os de cavalaria.
—
Eu sei o que é cavalaria — disse Pedrinho — Depois das Cruzadas, a gente da
Europa ficou de cabeça tonta e com mania de guerrear. Os fidalgos andavam
vestidos de armaduras de ferro, capacete na cabeça e escudo no braço, com grandes
lanças e espadas. Montavam em cavalos que eles diziam ser corçéis e saíam pelo
mundo espetando gente, abrindo mouros pelo meio com espadas medonhas. As
proezas que faziam eram de arrepiar os cabelos. Já li a história de Carlos
Magno e os Doze Pares de França.
—
Isso mesmo — confirmou Dona Benta — Eram os cavaleiros andantes. Depois de
lermos o Dom Quixote havemos de procurar o Orlando furioso, do célebre poeta
italiano Ariosto — e vocês vão ver que coisa tremenda eram os tais cavaleiros
andantes.
—
Por que se chamavam assim? — Indagou a menina.
—
Porque viviam a cavalo, sempre a correr mundo atrás de aventuras. E tais e
tantas foram as suas aventuras, que os poetas começaram a contá-las nos seus
poemas, como Ariosto; e os prosadores também; de maneira que a literatura daquele
tempo era só de cavalaria andante, como hoje é quase só de bandidos e
policiais.
Cervantes
escreveu este livro para fazer troça da cavalaria andante, querendo demonstrar
que tais cavaleiros não passavam duns loucos. Mas como Cervantes era um homem
de génio, a sua obra saiu um maravilhoso estudo da natureza humana, ficando por
isso imortal.
Não
existe no mundo inteiro nenhuma criação literária mais famosa que a sua.
Dom
Quixote não é somente o tipo do maníaco, do louco. É o tipo do sonhador, do
homem que vê as coisas erradas, ou que não existem. É também o tipo do homem
generoso, leal, honesto, que quer o bem da humanidade, que vinga os fracos e
inocentes — e acaba sempre levando na cabeça, porque a humanidade, que é ruim,
não compreende certas generosidades.
Pois
é isso. De tanto ler aqueles livros de cavalaria, o pobre fidalgo da Mancha ficou
com o miolo mole; quis virar também cavaleiro andante e sair com a velha
armadura herdada de seus avós, mais a lança e o escudo, e correr mundo atrás de
aventuras, isto é, atrás de outros cavaleiros andantes com quem se bater, e de
maus a quem castigar. No delírio do seu sonho imaginava até a conquista de um
grande reino lá pelo Oriente.
Tanto
imaginou aquilo que um dia se resolveu. Largando os livros, foi ver o cavalo
que tinha na cocheira. Era um pobre cavalo, desses que por aqui chamamos
matungo, e velho até não poder mais.
Ossos
só. Mas a imaginação desvairada de Dom Quixote via tudo ao contrário da
realidade. Olhou para o feixe de ossos sem ver osso nenhum — viu um maravilhoso
cavalo, igual aos mais famosos do mundo, como aquele Bucéfalo de Alexandre, o
Grande, ou o Babieca do El Cid. (...)”
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